Música
Estreando como intérprete em Ária, Djavan conta sobre a dificuldade de escolher as músicas que gravou, como o sambacanção que a mãe dele costumava cantar quando ele era criança, e lembra os tempos de crooner nas boates cariocas
Por Mauro Ferreira
ÁRIA, DE DJAVAN, é uma novidade na carreira do músico, que pela primeira vez lança um álbum como intérprete. Ao mesmo tempo, é um disco antigo. Cercado de histórias do passado – como do tempo em que, pai de dois filhos, Djavan trabalhava como crooner nas boates cariocas (entre 1974 e 1978) para sustentar a família, ou da escolha de “Nada a nos Separar”, que ele chorava ao ouvir após deixar a casa dos pais para escapar do serviço militar e poder enveredar pela música. Em 1975, conheceu o sucesso ao cantar “Fato Consumado” no Festival Abertura, exibido pela Globo.
No ano seguinte, lançou “Flor de Lis”, que lhe abriu as portas da indústria do disco, mas continuava a atuar na noite entoando canções alheias. Agora, aos 61 anos, 35 de carreira, Djavan tem dois filhos pequenos (Sofia, 8 anos, e Inácio, 3) e volta a se dedicar a músicas de outros compositores, soltando a voz com leveza em atmosfera eventualmente jazzística. Com o trabalho atual recém-lançado, ele conta ter revirado a memória afetiva para escolher o repertório, diz que a maior alegria de sua vida é ver nascer uma música nova e faz um balanço dos tempos em que cantava em boates.
“Esse repertório me veio depois de muito sofrimento”
Por que demorou tanto tempo para fazer um disco de intérprete e por que ele aconteceu agora?
Essa ideia é antiga. Fui crooner durante um bom tempo de minha vida e sempre gostei de cantar músicas de outros autores, desde quando cantava Beatles no LSD (grupo formado por Djavan na juventude, nos anos 60). Como compor é praticamente uma afirmação para mim, fui deixando esse projeto para frente. Só que agora senti necessidade de esquecer de mim como compositor. Mas compor é tão forte e tão necessário para mim que até me surpreendi com a decisão de fazer esse disco agora.
E como foi a seleção de repertório?
Esse repertório me veio depois de muito sofrimento. Achei que seria moleza fazer um disco de intérprete, porque criar música e fazer letra é muito difícil, mas foi um sofrimento montar um repertório que me deixasse contente. O “Sabes Mentir” veio de imediato porque é uma lembrança forte da minha infância. Eu o aprendi com minha mãe quando tinha 5 ou 6 anos. Ela sempre foi apaixonada por Ângela Maria e vem daí a minha paixão pela Ângela. “Brigas Nunca Mais” era a música que eu mais cantava na boate.
Você também gravou uma do repertório do Trio Esperança, “Nada a nos Separar”, que quase ninguém conhece.
Na minha vida, essa música é muito forte. A minha família queria que eu fosse militar e cursasse a Academia Militar de Agulhas Negras. Mas eu não queria porque já pretendia trabalhar com música. Tinha 16 anos e estava desesperado. Então, eu fugi de casa. E chorava muito, sozinho, ouvindo essa música, porque estava pela primeira vez longe da família. Essa música não atravessou gerações, mas me marcou muito.
Qual o recorte que pretendeu dar ao repertório de Ária?
Resolvi gravar músicas muito batidas como o “Palco”, do Gil (Gilberto Gil). Queria também um standard americano e “Fly me to the Moon”, se não é o mais batido, é um dos mais. Esse foi o meu desafio. Estou ficando velho e não queria ficar em águas claras. Estou querendo dificuldade. Quis contar com o risco, ter a possibilidade do erro.
O seu canto soa extremamente leve no disco. Isso foi intencional?
Fiz esse disco de forma diferente. Normalmente, a gente grava as bases, cria os arranjos e só depois põe a voz. Em Ária, optei por gravar primeiro a voz e o violão definitivos. Então, fui adicionando outros instrumentos. Mas escolhi uma instrumentação em que pudesse experimentar uma sonoridade diferente, saindo da zona de conforto. Na “Valsa Brasileira”, por exemplo, quis tirar a densidade e a dramaticidade da música do Chico (Buarque) e do Edu (Lobo). Mexi no andamento e deixei a música mais leve. Para um compositor, não é fácil fazer um disco de intérprete, mexer nas músicas dos outros. Quando canto músicas minhas, preciso apenas seguir a melodia que saiu de mim, de minha alma. Com músicas dos outros, tive de colocar meu canto à disposição delas de modo a me desvincular do que já existe de pré-concebido em relação a essas músicas.
‘‘A minha família queria que eu fosse militar (...).
Tinha 16 anos e estava desesperado. Então, fugi de casa.
E chorava muito, sozinho, ouvindo ‘Nada a nos Separar ”
Que balanço faz do período em que foi crooner na noite carioca?
Foi uma espetacular escola de canto. Aprendi a usar minha voz ali. Trabalhei com o (pianista) Osmar Milito. Ele adorava que cantasse em tons agudos. Eu gostava, mas sofria na época porque já era compositor e não tinha oportunidade de mostrar as minhas músicas. Depois do festival (Abertura), se eu pudesse, já não cantava mais em boate. Mas foi um período em que eu precisava me manter, tinha dois filhos, o mercado de discos era pequeno e somente comecei a ter minha independência artística com o sucesso de “Meu Bem Querer”, em 1980.
Ainda sente o mesmo prazer em compor?
Sim, o que mais me diverte na vida é o trabalho. A maior alegria que eu sinto na vida é quando eu faço uma música nova. Por isso, quase desisti desse disco. Fiquei muito desesperado. E o lado bom desse desespero é que ouvi tudo de novo, de Villa-Lobos aos compositores de hoje.
Mas o repertório está focado na música brasileira mais tradicional, não aparecem compositores contemporâneos.
Ao escolher o repertório de Ária, me desvencilhei do compromisso de fazer uma amostragem da música popular do Brasil. Não são as melhores nem as maiores músicas. São as músicas que eu quis cantar.
Como avalia a relação entre música e internet?
Acho a internet um canal democrático e espetacular. A partir dela, passei a ter um contato maior com meus fãs. Mas, com ela, a composição perdeu seu valor mercadológico. Você baixa qualquer disco sem pagar direito autoral. Sei que não vai ser mais como era antes, porque não há legislação para controlar isso e nem acho que seja possível haver uma. Há muito tempo cedi a essa realidade. Mas o direito autoral tem de ser preservado de alguma forma. Vivo de shows, mas tem gente que vive de direito autoral e não tem outra fonte de renda.
Por falar em shows, o de Ária vai ter apenas músicas dos outros?
Não dá para não ter meus sucessos. Vou botar alguns lados B da minha obra. Vai ter músicas que sempre tentei cantar, mas nunca fiz em shows, como “Cordilheira”, do disco Malásia, e “Transe”, do Lilás.
Continua compondo?
Não muito, pois precisava me prender um pouco a esse ofício de intérprete. Compus duas ou três músicas, não mais do que isso. Mas estou ávido para voltar a compor. E agora vou fazer músicas com uma gana, com um frescor novo. Ária vai dar uma mexida na minha música.
FONTE\ISTOÉGENTE





















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