Antonio Fagundes:
"Minha idade mental está nos 15 anos"
Em cartaz em São Paulo e para comemorar os 15 anos de QUEM, conversamos com pai e filho
Por Bruno Segadilha
Um pai cruel, um filho incompreendido, um cotidiano marcado por conflitos familiares e de gerações.
Esse é o tema central da peça Tribos, que Antônio, de 66 anos, e Bruno Fagundes, de 26, encenam no Teatro Tuca, em São Paulo.
Depois de dois anos em turnê pelo Brasil, o espetáculo volta à capital paulista como parte das comemorações dos 50 anos de carreira de Antônio, a serem completados em janeiro do ano que vem.
Escrita pela dramaturga inglesa Nina Raine, a peça acompanha a vida de Billy (Bruno), rapaz surdo de nascença, criado em uma família intelectualizada que não aceita, por orgulho e preconceito, a característica do filho. Billy sofre principalmente com a intolerância de Christopher (Antônio), chefe de família que não tem a menor paciência com o jovem.
Apesar da intensidade das brigas no palco, Bruno e Antônio afirmam que, ao contrário da ficção, nunca viveram uma guerra em casa.
“Nós nem conseguiríamos fazer a peça se tivéssemos de levar algum conflito para o palco”, diz Antônio.
A convite de QUEM, pai e filho se reuniram para esta sessão de fotos e um bate-papo.
Durante a conversa, os dois mostraram suas visões de mundo e falaram sobre assuntos como o exibicionismo que vivemos em tempos de redes sociais e sobre televisão, veículo que fez de Antônio um dos atores mais conhecidos do país. “Adoro”, afirma o veterano.
“Aprendi demais na minha estreia na TV, mas nunca vou deixar de fazer teatro”, sentencia Bruno, que fez sua primeira novela, Meu Pedacinho de Chão, no ano passado.
Tribos está há dois anos em cartaz, o que é raro nos teatros brasileiros. O que explica esse sucesso?
Antônio Fagundes: Primeiro, a qualidade do espetáculo. Além disso, acredito também que as leis de incentivo criam um obstáculo a mais. Montamos uma cooperativa e fugimos dessa armadilha. Não temos nada de patrocínio, colocamos nosso dinheiro. É claro: para isso, o espetáculo tem de fazer sucesso. Naturalmente, a gente escolhe um texto sempre para agradar, para fazer sucesso. Ninguém fala: “Vou fazer um fracasso!”. Queremos depender do público, queremos que o público eleja o espetáculo.
Bruno Fagundes: Montamos uma cooperativa: as pessoas só receberiam depois que tivéssemos recuperado nosso dinheiro. A gente se pergunta todo dia: “O que faz uma peça dar certo ou não?”. É uma das incógnitas do teatro.
O espetáculo trata de falha nas comunicações. Parece um paradoxo em um mundo de tantas plataformas...
AF: Se você fizer parte, no seu WhatsApp, de dez ou 15 grupos, o que é pouco, e se você tiver um ou dois perfis de Instagram ou Facebook, só para limpar isso todo dia, você gastará umas cinco ou seis horas. Isso quer dizer que você não olhará os perfis dos outros. Então, aquela possibilidade de comunicação se traduz numa solidão impressionante. Você está mostrando coisas para ninguém, porque ninguém tem tempo de ver.
BF: O que é mais frenético é que o feed não pode parar. É uma fome alucinante de postar absolutamente tudo. As pessoas vomitam opiniões, não pensam. Escrevem porque esse feed gera uma fome, uma urgência e uma surdez.
AF: O outro não existe. Você está fechado com pessoas que concordam com você, que gostam das mesmas coisas que você, ouvem as mesmas coisas, gostam dos mesmos filmes. Aquele que sai dessa sombra, desse círculo vicioso de opiniões, que é diferente, não é aceito, porque é uma afronta. Isso cria, sem a gente perceber, uma profunda infelicidade: você vê o mundo como uma agressão, tudo que é diferente o agride.
Por falar em redes sociais, vocês são pessoas conectadas?
AF: Eu tenho WhatsApp para me comunicar quando a gente viaja. Para você ter uma ideia, meu celular não tem nem linha, só uso o wi-fi dos lugares. Na rua eu me desligo. Também tenho um daqueles aparelhos do tipo “tijolão”, bem antigo. Normalmente, ele fica desligado. Uma ou duas vezes por dia, checo se alguém ligou para mim e respondo se for urgente. Caso contrário, eu respondo à noite. Não sou do smartphone, acho uma perda de tempo. Gosto muito de ler e percebi que, se eu tivesse de alimentar essas coisas todas, perderia muito tempo, o suficiente para ler três livros. E prefiro os livros!
BF: Eu sou mais conectado, mas não sou “internetmaníaco”. Vejo meus amigos postando freneticamente.
AF: Um veículo que teoricamente deveria trazer mais informação, conectar mais ao conhecimento, reduz o uso da palavra a quase nada. O Twitter, por exemplo, não permite que você use mais de 140 caracteres. Mas essa rede já está ficando velha, está sendo substituída pelo Instagram, que depois também vai ficar velho. Eu brinco: no Instagram você fotografa a batatinha frita e escreve: “Nham, nham”, e isso é o máximo que você faz para se comunicar. É um perigo que a gente está correndo.
Nessa peça, pai e filho estabelecem uma relação de crueldade. Na vida real, vocês tiveram conflitos?
AF: Nós nem conseguiríamos fazer a peça se tivéssemos de levar algum conflito para o palco..
Antônio, você completa 50 anos de carreira. Como se sente?
AF: Sabe que é gozado? Percebi que estava fazendo 50 anos de carreira porque alguém veio me entrevistar, fez essa pergunta e eu caí nessa verdade. O saldo, para mim, é de vida. Estou produzindo, quero fazer 58, 90 anos de profissão. A data é que é bonitinha...
Ainda gosta de fazer televisão?
AF: Gosto, sempre gostei de televisão, adoro a velocidade desse veículo. É outro processo de criação... Tem colega que torce o nariz. Nunca entendi isso direito. A televisão deixou de ser um veículo simplesinho de entretenimento. Há nichos artísticos e culturais importantíssimos ali. Nos Estados Unidos, já existe um êxodo de atores e diretores de cinema há algum tempo.
BF: Eu amei fazer televisão, foi uma experiência maravilhosa. Aprendi demais na minha estreia, mas nunca vou deixar de fazer teatro.
A televisão pode criar uma imagem de galã. Isso incomoda vocês?
AF: Algumas pessoas acham uma agressão ser chamado de galã. Eu acho maravilhoso, porque se estiver fazendo um bom trabalho e ainda me considerarem bonito, vou agradecer de joelhos. Tenho 66 anos e alguém ainda acha que sou galã!
Como se sente aos 66 anos?
AF: A gente tem uma idade mental. E paramos em um determinado ano, no qual essa idade não muda. A minha está nos 15 anos. A única diferença é que agora não subo a escada de três em três degraus, mas de dois em dois. A limitação física vai acontecer uma hora.
Criaram-se mitos sobre o Antônio Fagundes ao longo dos anos. Um deles é a questão da pontualidade. É verdade?
AF: É um reflexo do que pensamos na vida. Chegamos dez minutos antes para esta entrevista. Isso é respeito. O Roland Barthes (filósofo francês morto em 1980, aos 65 anos) dizia que fazer esperar é uma prerrogativa do poder. Eu acho que não tenho poder nenhum para fazer ninguém esperar, mas também não gosto que exerçam o poder em cima de mim me fazendo esperar. Normalmente, quando alguém atrasa comigo, vou embora. Numa primeira vez ainda sou um pouco tolerante. Se for um contratado meu, eu digo: “Na próxima vez que você se atrasar, nem precisa vir”. E, se a gente levar a vida assim, tudo fica lindo, tudo dá certo.
BF: E eu faço questão de ser sucessor do meu pai na questão da ética e do respeito ao próximo. A gente vê casos horríveis de pessoas que chegam atrasadas e se acham no direito de atrapalhar as outras.
FONTE/QUEM



















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