quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Tarso Brant:
"É muito bom ter essa consciência de viver duas vidas na mesma existencia "
Ator transgênero, que ficou famoso por inspirar personagem Ivan, de Carol Duarte, em novela 'A Força do Querer', falou sobre a descoberta da sexualidade em matéria especial do Dia do Sexo 

Por Marina Bonini
A história de Tarso Brant ficou conhecida nacionalmente quando ele foi chamado pela autora Glória Perez para participar da novela A Força do Querer (2017).
 O ator transgênero inspirou a criação do personagem de Carol Duarte, Ivan, que passou pela transição de gênero e enfrentou o preconceito da família. 
 Assim como na trama, Tarso, que tinha o nome de batismo de Tereza, desde criança tinha consciência de sua sexualidade, mas lidou com conflitos e teve medo de expor quem por causa da sociedade preconceituosa. 
 "Comecei a entender a minha sexualidade desde sempre, foi algo muito natural. Vivia conflitos, mas me posicionava de modo neutro. Quando perguntavam do que eu gostava, eu respondia 'eu gosto'.
 Se me perguntavam o motivo de usar determinado estilo de roupa, eu respondia, 'porque eu gosto'. 
Com isso, o assunto já morria. Sempre fui uma criança muito observadora e sabia que tinha um segredo que não podia contar para ninguém porque ninguém ia me entender", explica ele, em uma das matérias da QUEM Acontece para o especial do Dia do Sexo, celebrado em 6 de setembro
 Após a autoaceitação, aos 21 anos, Tarso iniciou a readequação física e em 2015 fez a cirurgia para a retirada dos seios. 
Depois disso, passou pela fase de autoafirmação e tentava sair com o máximo de mulheres que podia em uma noite. 
Atualmente, com 25 anos e mais seguro e consciente de si mesmo, Tarso pontua que não encara o sexo de forma banal.
 "O ato sexual é uma conexão. Estou compartilhando a minha carga de vida inteira com a pessoa. Não é algo banal. 
Já tive relações com homens e mulheres, mas sempre teve que ser uma boa recordação. Não digo amor, mas diria uma conexão que me fizesse bem", afirma ele. 
 Solteiro e focado em um projeto com uma série de TV e na peça de teatro Solidão e Vermelho, que estará em cartaz em São Paulo, ele conta que sempre dá conselhos amorosos para amigas e amigos. 
"É muito bom ter essa consciência de viver duas vidas na mesma existência. Vivi a Tereza, que foi uma mulher como qualquer outra, com sentimentos, que menstruava, tinha TPM, chorava, se iludia... 
Ao mesmo tempo, tinha esse cara vivendo por meio dela. 
Quando eu ainda era Tereza e um homem chegava em mim, eu sabia qual era a intenção dele só pelo olhar. 
Identificava nele coisas que eu já conhecia dentro de mim. Quando amigas minhas me pedem conselhos eu peço detalhes de como o cara agiu, falou e se portou e consigo explicar o motivo ou a intenção dele.
 Sempre acerto! Já fui um cara que não foi santinho. Agora também ensino essa coisa do respeito às mulheres aos meus amigos", garante.
Por falta de conhecimento, muitos transgêneros se identificam como gays ou lésbicas antes da readequação. Como foi a descoberta da sua sexualidade? 
Nunca gostei muito de me rotular. Quando a gente se apega a algo para se rotular fica algo muito confuso. Eu descobri espontaneamente. Eu vivia um sentimento, mas não tinha definição. A sociedade impõe isso. Você tem que dizer o que gosta para ser aceito. Quanto mais a pessoa tenta se encaixar em algo, mais ela sofre. Tem que se entender e se ouvir. Essa procura de se encaixar na tribo é um processo, uma coisa que todos passam, um processo de autodescoberta. Comecei a entender desde sempre, mas me posicionava de um modo neutro. Quando perguntavam do que eu gostava, eu respondia 'eu gosto'. Se me perguntavam o motivo de usar determinado estilo de roupa, eu respondia, 'porque eu gosto'. Com isso, o assunto já morria. Comecei a entender que cada um tem o seu tempo. Eu tinha 20 anos de idade e ainda vivia conflitos, mas me posicionava de modo neutro. Sempre fui uma criança muito observadora e sabia que tinha um segredo que não podia contar para ninguém porque ninguém ia me entender.

: Estar em um corpo que não se encaixava na sua personalidade dificultou a sua iniciação sexual? 
Acho muito pessoal falar sobre iniciação sexual. Eu sempre tive um certo receio por esse lado, sempre me vi no ponto de vista de valorizar o meu corpo. Queria entender e fazer algo de que não fosse me arrepender depois. Nunca vi meu corpo como um objeto que eu poderia usar e depois esquecer de tudo que fiz. Sempre zelei pelo meu corpo. O ato sexual é uma conexão. Estou compartilhando a minha carga de vida inteira com a pessoa. Não é algo banal. Já tive relações com homens e mulheres, mas sempre teve que ser uma boa recordação. Não digo amor, mas diria uma conexão que me fizesse bem. 

 Quando iniciou o processo de readequação como foi se relacionar com outras pessoas sexualmente? 
Eu sinto como se a Tereza tivesse que ter existido no momento para mostrar para o Tarso quem ele realmente é. Reconheço que a Tereza me transformou neste homem que sou hoje. É um processo que continua. Lidar com as pessoas ficou cada vez melhor. Quando a gente se torna aquilo que condiz com a fala e o jeito, tudo começa a transparecer e ter transparência com as pessoas é algo incrível. Tudo flui. 

 Sentiu muito os efeitos dos hormônios? 
O processo hormonal é algo bem sério. Tem alterações de humor. Estão injetando no corpo algo que não é reconhecido por ele. O máximo que eu podia fazer era garantir uma nova rotina saudável. A minha forma de lidar foi com o esporte, a alimentação regrada, disciplina... Não posso me desequilibrar ou ter uma vida sedentária, beber ou fazer uso de drogas. Caso contrário, posso ser tomado por impulsos que muitas vezes não condizem com a minha personalidade. Tomei os hormônios com acompanhamento de um médico, uma nutricionista e de um personal. 

 Muitas pessoas sofrem com depressão após a readequação de gênero. Um acompanhamento de um psicólogo também foi necessário?
Não tive ninguém, nem namorada... Foi algo comigo mesmo. Agora tenho uma terapeuta que é incrível. Saio de lá mais leve e com um conhecimento técnico para observar a minha vida de forma mais racional. 

 Li em outras entrevistas que você deu que os seios te incomodavam muito. Como se sentia antes da cirurgia e como se sentiu depois da cirurgia? 
Antes da cirurgia sentia que uma parte do quebra-cabeça estava sobrando. Ela precisava ser tirada para eu me sentir inteiro. Depois da cirurgia, a primeira sensação que tive, e ela é muito nítida ainda, foi a de que o meu coração estava batendo mais perto de mim. Sabia que aquele momento era muito importante para ser mais eu mesmo. 


 Sexo é uma questão de autoconfiança. O que mudou no sexo para você depois da readequação de gênero? 
Sempre fui muito autoconfiante. O sexo é uma consequência de tudo isso. E não foi muito diferente. Atualmente, estou sozinho por opção e foco em atividades físicas, leituras... No momento, não foco muito na parte de relacionamentos. Eu tenho que me amar primeiro para amar o outro. Estou aprendendo ainda isso. Não quero esperar que o outro me complete. Em um relacionamento, um tem que agregar ao outro. Estou aprendendo a me amar. 

 Como é a paquera para você após a readequação? Você tem a preocupação de contar a sua história para a pessoa ou fica com ela e depois conta tudo? 
 Quando eu era mais jovem sempre me preservei muito por isso. Não queria enganar ninguém. Acaba que a gente passa por isso. É algo que a gente se aceita para saber lidar com a opinião do outro. Tinha essa preocupação. Sabia que não tinha maturidade para lidar com essas coisas em um determinado momento. Ainda estava sendo a Tereza e descobrindo o Tarso. Estava lidando com uma coisa de cada vez. Era nítida aquela sensação de nervosismo quando conhecia alguém, sabia que ia ter que falar alguma coisa para a pessoa... Hoje, as pessoas me conhecem, mas acho importante falar. Claro que tem que saber o momento de falar e com quem você fala. Não é vergonha nenhuma ser você. Se eu não tivesse uma carreira pública, claro que eu não ia chegar em um bar e falar: 'sou o Tarso trans'. É algo meu. Mas acho importante ser verdadeiro. Por isso, sou muito cuidadoso nessa área. Cuido do meu corpo todos os dias e penso nas consequências de qualquer ato meu. Não quero fazer algo para dar em nada e nem fazer o outro sofrer. 

 Mas você passou por um momento de autoafirmação, que acaba sendo recorrente nos homens? Aquele em que quantidade supera a qualidade?
 Não vou negar que passei por esse processo de autoafirmação. Era algo psicológico, uma necessidade minha e descontava nas pessoas. Então, ficava com várias em uma noite, não necessariamente transava. Voltava para casa e me sentia vazio. Aquilo não me fazia bem. Tive esse olhar comigo mesmo e vi que essa autoafirmação era desnecessária. Daí, mudei minha forma de agir. Quando vejo um homem trans, mas pegador, o vejo como uma pessoa que se apega a rótulos. Não digo para a pessoa isso porque ela vai ter esse autoentendimento um dia. Ele ainda tem que entender que ser homem não é ter uma esposa, sustentar um lar, ter filhos, trair a esposa... Ser homem é ter valores. 

 Como um homem que já passou por algumas questões do universo feminino como assédio e TPM, você tem uma maior noção e proximidade da mulher. Seus amigos te pedem conselho sobre paquera, sexo etc?
 Sim. Tanto eles quanto elas. É muito bom ter essa consciência de viver duas vidas na mesma existência. Vivi a Tereza, que foi uma mulher como qualquer outra, com sentimentos, que menstruava, tinha TPM, chorava, se iludia... Ao mesmo tempo, tinha esse cara vivendo por meio dela. Quando eu ainda era Tereza e um homem chegava em mim, eu sabia qual era a intenção dele só pelo olhar. Identificava nele coisas que eu já conhecia dentro de mim. Quando amigas minhas me pedem conselhos eu peço detalhes de como o cara agiu, falou e se portou e consigo explicar o motivo ou a intenção dele. Sempre acerto! Já fui um cara que não foi santinho. Agora ensino essa coisa do respeito às mulheres aos meus amigos. Tento falar que um relacionamento não é só desejar o corpo da mulher. Tem que se apaixonar pelo o que ela é antes de ir para a hora H. O sexo é uma consequência. O olhar pode ser mais interessante que um beijo. O que te importa mais do que algo de verdade? Se quer só pega-pega compre algo no sex shop. A gente está falando de uma pessoa. Não vale a pena conquistar uma mulher só por uma noite. É melhor conquistá-la para a vida.

FONTE/QUEM

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