quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Juliana Caldas sobre sexo:
 "Nunca deixo o nanismo me definir"
 Parte dos entrevistados especiais de QUEM em comemoração ao Dia do Sexo, a atriz conta como descobriu sua sexualidade e diz que a sociedade vê o diferente como incapaz

Por Raquel Pinheiro
Juliana Caldas nasceu com nanismo, mas como faz questão de frisar, não deixa que sua condição defina quem é – ou como vive sua vida. Muito menos, permite que os padrões estéticos ou de comportamento interfiram em sua sexualidade.
 “Eu nunca fui preocupada em dar o primeiro beijo porque as amiguinhas estavam dando ou em perder a virgindade cedo porque as amigas estavam perdendo. Não, eu fui no meu tempo”, explica a atriz de 31 anos. 
A descoberta da sexualidade veio com a aceitação (“faz com que tudo flua”), em uma sociedade que tende a ver o diferente não só como incapaz de ter desejo, como de ser desejado e ter uma vida sexual. 
“Já vieram me perguntar: 'Você transa?' Como assim? Óbvio, todo mundo transa. É como se fosse uma coisa de outro mundo, e não é, é normal”, afirma ela, em entrevista para a série de matérias de QUEM sobre o Dia do Sexo, celebrado em 6 de setembro. 
 A dificuldade, em seu caso, foi a falta de ter com quem conversar sobre o assunto – Juliana perdeu a mãe e avó na adolescência.
 “Se tivesse alguma dúvida, eu sempre perguntava para minhas amigas ou até mesmo para mães de amigas”, lembra. As pessoas, ela garante, de forma geral, não sabem lidar com o diferente. 
“No caso do nanismo, tem o como vai fazer, porque a pessoa é pequena. Mas tudo tem um jeito. Tudo depende como você recebe isso e ensina para a outra pessoa”, aponta ela, ressaltando que qualquer relação tem de ter o respeito – sobretudo quando, em seu caso, há ainda o fator fetiche. 
 “Quando vejo que existe esse interesse de relacionamento, jogo a real: ‘É fetiche?’. 
Pergunto para saber o que eu faço, como eu lido com isso. Posso aceitar ou não, mas gostaria de saber”, diz. 
Juliana, que já fez um nu artístico (‘foi ótimo’), defende em qualquer situação o sexo com responsabilidade. 
“Vá e faça, mas tome cuidados, precauções, e viva da melhor forma possível”
Para você, o que representa o sexo?
 Sexo é vida e faz parte da vida. Acho que a palavra é 'vida' porque através do sexo e amor gera vidas.  
Sexo sempre é prazer? 
Quando você quer, sim. Eu faço para ter, se não, não tem graça. Tento curtir, estou em um caminho para que tenha prazer, opção e tudo isso. Mas acho que nem sempre é prazer.

 Como você se descobriu sexualmente? 
É muito louco, mas é quando você se descobre, quem é você, como você veio. No meu caso, vim com nanismo, nasci com nanismo. Então, eu acho que você se descobrir, se aceitar, faz com que tudo flua. Eu nunca fui preocupada em dar o primeiro beijo porque as amiguinhas estavam dando ou em perder a virgindade cedo porque as amigas estavam perdendo. Não, eu fui no meu tempo, no que eu achava que era tranquilo para mim e que eu sabia que receberia respeito. 

 Então foi tranquilo entender sua sexualidade? 
Descobrir isso foi tranquilo. O que foi complicado em relação à sexualidade e a essa descoberta é que nessa época tinha perdido minha mãe, minha avó. Se tivesse alguma dúvida ou precisasse ter para quem contar algo, eu sempre perguntava para minhas amigas ou até mesmo para mães de amigas. Fui fazendo o que eu achava que era certo e sem a preocupação de estar sendo tarde ou não.

 E como encara hoje o seu lado sexual? 
É natural, está na gente essa sexualidade toda. Depende de como você lida com isso e como demonstra ou não. Eu sou mais tranquila. Não penso que vou postar uma foto de biquíni para mostrar isso. Vou postar porque gostei da foto, mas é obvio que tem aquela coisa de ver o que acontece. Eu não fico preocupada em seguir uma estética. A sexualidade transmite que você está bem, você fica sexy se você está bem. 

 Você sente uma espécie de tutela em relação ao diferente?
 As pessoas veem quem é diferente como incapaz de desejo, como um ser assexuado? Eu não acho que isso acontece, eu tenho certeza (ênfase). Não diria 100% da população, mas existe. Não só para a questão de sexo, mas para a questão de vida: de trabalho, de capacidade, de conquista. Tem várias pessoas que pensam assim, que (a gente) não é capaz só porque é deficiente. Tenho certeza. 

 Como você lida com essa situação de ser colocada em um local de ser invisível sexualmente e com o oposto, com quem tem desejo pelo diferente especificamente por ele ser diferente?
 É engraçado como as pessoas não sabem lidar com isso. Elas ficam surpresas . Já vieram me perguntar: 'Você transa?'. Como assim? Óbvio, todo mundo transa. É como se fosse uma coisa de outro mundo, e não é, é normal, da mesma forma que (para) você. Talvez possa ter posições que você não tem, que não consegue, mas eu vou lá e te ensino e te mostro o diferente. E posso fazer de outra forma e pode ser muito mais prazeroso do que a posição normal. Tudo depende da forma que você recebe isso. 

 Por exemplo? 
As pessoas, às vezes, não sabem lidar. Você começa a se relacionar com um cadeirante e acha que nada funciona; ele não anda, é paraplégico, e você pensa que não mexe da cintura para baixo. Mas, às vezes, não tem nada disso. No caso do nanismo, tem o como vai fazer, porque a pessoa é pequena. Mas tudo tem um jeito. Tudo depende como você recebe isso e ensina para a outra pessoa. E, claro, quando acontece de ter esse o desejo e o respeito. Depende muito como é a cabeça da pessoa que tem deficiência. Depende do amadurecimento da pessoa, do pensamento de como lidar com a sexualidade, de como pode ensinar as outras pessoas e, também, tentar diferenciar quando (o interesse sexual) vem com uma boa intenção ou não. 

 Há muito fetiche? 
Ô, menina! Demais. Eu acho que com o homem com nanismo isso acontece mais, até mesmo porque a mulher é mais aberta para ir para o diferente e o homem é mais fechado. Por mais que possa até existir mais fetiche do homem em relação à mulher com nanismo, isso não é muito falado. A mulher tem a curiosidade como é o órgão sexual do anão, porque acha que porque o homem é pequeno o órgão é pequeno. O homem... Olha, existe muito fetiche. Primeiro vem o fetiche, depois vem a atração, vamos dizer, por esse diferente.
 Você tenta identificar logo se o interesse vem de um fetiche?
 A partir do momento que começo a me relacionar, quando vejo que existe esse interesse de relacionamento e acontece de vir esse tipo de assunto (sexo), jogo a real: 'É fetiche, é isso, é aquilo, é curiosidade, o que é?'. Pergunto para saber o que eu faço, como eu lido com isso. Posso aceitar ou não, mas gostaria de saber. Quando eu vejo que é de má intenção, que não tem respeito, saio fora. Sempre pergunto, mas já rolou de me relacionar, aconteceu, saí, fiquei a noite toda e, no dia seguinte, ele não olhou para minha cara. Beleza, fazer o que, tá bom. Isso também acontece com outras meninas. 

 Você já se sentiu invisível ao sair com amigas na noite, por exemplo? 
Nessa transformação de me conhecer, já. Hoje em dia, não ligo. É o que eu falo, meus amigos sabem que saio para me divertir, não saio para procurar alguém para ficar. Sei que já passei por isso: amigas conseguem alguém, e eu fico lá sozinha. A tristeza não é tanto por ninguém olhar para mim, mas por eu ficar sem minhas amigas na balada. Mas tudo bem. Conversamos com o atleta paralímpico Fernando Fernandes, que disse que para ele vida sexual é autoestima, é se amar até chegar aquele momento do sexo.

 Concorda que o ato em si é uma consequência de se amar o suficiente? 
Claro! Quando você se sente bem e está com a autoestima bem, você é sexy, a galera te acha linda e maravilhosa, sendo que você não está fazendo isso de propósito. Está assim porque você se ama, você gosta de você, é perfeita e sua autoestima está lá em cima. Ter autoestima não significa estar na moda de hoje em dia, ter estética de hoje em dia, corpo perfeito. Não. Uma coisa liga outra: quando você aprende a gostar de você, não liga para o que os outros falam ou pensam. Você vive sua vida intensamente e está ótimo. Aí mostra para os outro o quanto você é bonito. 

Quando você se relaciona com uma pessoa que não tem nanismo, você fica preocupada com a diferença de tamanho te deixar mais vulnerável a uma possível situação de violência?
 Eu me preocupo com violência e não porque a pessoa é mais alta que eu, por causa da minha estatura. A violência pode acontecer com qualquer um. A minha preocupação nesse sentido é da pessoa com quem estou me relacionando, é como mulher, é pela violência em sim – se eu me relacionar com um anão, ele também pode me bater. Eu não aceito violência, mesmo sendo verbal, não aceito nem mesmo de amigos. Você pode falar o que quiser, mas a partir do momento que me ofende e vem com preconceito, eu vou tomar com as devidas providências. Graças a Deus, nunca passei por isso.

 Você é mais abordada por homens com nanismo? 
De abordagem não sei te dizer. Eu me relaciono com pessoas. Não tenho escolha por estatura, cor, nada disso. Se estou a fim do cara, eu me relaciono. Não tem biótipo, cor.

 Quando você está sozinha, sente mais falta de um carinho, do abraço, do beijo na boca ou é do sexo mesmo?
 Ultimamente... (risos). Estou solteira há muito tempo e estou tranquila com isso, não estou desesperada. A gente sente falta de tudo. Como eu estou há muito tempo sem nada, eu sinto falta também de um companheiro, da troca, da cumplicidade. Mas não estou desesperada à procura de um homem. Se aparecer, está ótimo, se não aparecer, beleza. Às vezes, dá vontade de ter uma pessoa por essa companhia, pela troca, não pelo sexo. 

 Como é essa abordagem? 
Sou mega tímida. Não é bateu a vontade e vai atrás, aí não consigo. Mas, se estou a fim de uma pessoa, se acho que tenho que falar que estou a fim, eu falo. Minha vida sempre foi assim, ou é ou não é, ou quer ou não quer, ou sim ou não. Eu gosto do cara a cara. Eu tenho arroz e feijão, você quer? Quero! Beleza, já sei o que tem. Quero ficar com você, você quer? Sim, eu quero! Para que eu vou enrolar? A mesma coisa com as amizades. Mas não ‘vou em cima’, se estou a fim de alguém, se tem uma dúvida (sobre a natureza do interesse), eu vou lá e tiro. ‘Ah, desculpa, entendi errado, amigos, beleza’. Mas eu não sei quando eu estou levando uma cantada, entendeu? Eu acho que é uma brincadeira e levo na brincadeira. Sou meio tapada pra esse tipo de coisa (risos). 
 Quando você posou nua para o Pele Project (do fotógrafo Brunno Rangel com direção artística de Marcelo Feitoda), qual foi a reação das pessoas? Qual foi a sua?
 Achei foda. Mas tem ambém um 'eita', meio que assim, não foi? Então, acho que primeiro deu esse susto na galera, deu um choque. Depois eu acredito que dividiu muito as opiniões; da mesma forma que escutei ‘mal entrou na novela e já quer posar nua’, também teve gente que entendeu a causa, o projeto e, como você, falou: ‘foda’. E teve ainda uma parte que reagiu vendo que não era uma Gisele Bündchen, não era uma loira, magra, alta, mas viram que era referente à autoestima, à aceitação e achou maravilhoso. Escutei de tudo, para mim foi ótimo. 

 Por que fazer as fotos? 
Topei fazer porque eu me aceito, porque eu me amo, porque eu me acho linda. A foto não é um nu, é artística. Você não vê nada, vê a silhueta do meu corpo. Não tem vulgaridade, tem uma curiosidade, o que é legal também. O artista é isso: você fazer pensar e fazer opiniões, Aceitei também por causa disso. Tinha que ter um motivo para aquilo; no projeto tem gente que não é famosa e se ama, se aceita e não está dando bola para essa sociedade que é só beleza externa. Cada um tem uma beleza interior que, às vezes, vale muito mais que a externa. 

 Ficou sem graça de ficar nua? 
Eu não tive problema nenhum em fazer as fotos. Achei maravilhoso causar essa reação nas pessoas, mostrar esse diferencial. Foi ótimo. O diferente é legal, te causa isso. 

 O que você diria para mulheres, diferentes ou não, que estão começando a vida sexual? 
Nunca deixo de fazer nada que tenho vontade, mas com consciência. No sentido do sexo, usem proteção sempre, isso é muito importante. Quando você tem consciência do que faz e certeza, vá e faça, mas tome cuidados, precauções, e viva da melhor forma possível. Viva para se fazer feliz. A única pessoa que te faz feliz é você mesmo, em primeiro lugar. Quem for entrando nessa felicidade é consequência. Eu faço tudo que acho que devo fazer, mesmo que depois role aquela coisa de 'ah, ok, me arrependi'. Fiz e aprendo e talvez não faça de novo. Isso com o sexo também? Sim, tenho esse pensamento para o sexo também. A vida é muito curta, mas, ao mesmo tempo, não; se você não vive, parece que não anda. Penso muito dessa forma; é um sopro, você não sabe o dia de amanhã. Por isso, nunca (ênfase) deixo o nanismo me definir. Não deixo a minha condição de ter o nanismo me impedir de nada. Se eu não conseguir, beleza, mas vou tentar de todas as formas aquilo, sabe? Fora isso, faço o que quero. E aí, cada um escolhe viver da forma que quer.

FONTE/QUEM

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